Estou lendo ele agora, marcos apolo junior, e extremamente atraído pelo constante clima sombrio de mistério, morte e horror que cerca a obra dele. É exatamente essa edição que está com o entrevistador. Sei que temos muita coisa pra ler na vida, mas acredite, Poe não pode ficar de fora.
Infelizmente, os estudos de Poe no Brasil, quando pensamos que algo novo pode vir a contribuir com sua melhor visibilidade, uma legítima, acaba nos decepcionando mais e mais. A professora infelizmente parece ter focado mais na infelizmente clássica visão (e desrespeitosa) do poeta em seus estudos: a de um escritor de histórias de terror, simplesmente. Acaba cometendo uma série de erros, em ordem: 1. O primeiro livro publicado por Poe realmente foi em 1827, mas foi com o próprio dinheiro, recebido a custo do Pai. Somente o terceiro volume, terceiro, aí sim publicado em West Point (Poe esteve na academia de 1829-31), somente este foi publicado com o auxílio de colegas. A professora coloca os dois volumes como publicados na Academia. 2. Poe esteve de fevereiro a dezembro de 1826 na Universidade de Virginia, e não seis meses. Seis meses, aproximadamente, Poe esteve no entreato de West Point. A informação é significativa pois Poe esteve, durante pouco mais de seis meses após a saída do exército, no qual entrou em 1827, sob os cuidados temporários da tia Clemm, em Baltimore, esperando a aceitação na Academia. Neste tempo, naquela cidade, ele publicou seu segundo volume. 3. A professora cita "A Queda da Casa de Usher" e o "Gato Preto" como os primeiros contos (a fazer sucesso). E confirma isso. Nem foram os primeiros a surgir nem os primeiros famosos. Respectivamente, a data de sua publicação: 1839 e 1841. Os primeiros contos de Poe surgiram em 1832, e já fizeram sucesso. "Metzengerstein" recebeu um pedido (literalmente) para ser publicado, em janeiro de 32, e "MS Encontrado numa Garrafa" recebeu um prêmio em 1833 num jornal de Baltimore. 4. A primeira tradução de Poe em França foi de "Os Crimes da Rua Morgue". Desconto à professora, pois esta tradução não trazia o nome do autor original. Mas aqui ela solta uma pérola: "O Escaravelho do Diabo". O conto de Poe nunca foi traduzido em português dessa forma, mas sempre literalmente ("O Escaravelho de Ouro"). O título dado pela professora é de um livro brasileiro de literatura infantil de Lúcia Machado de Almeida, que nada tem a ver com Poe. 5. Três contos de detetive, sim, mas três com Dupin. "O Escaravelho de Ouro" e "Tu és o Homem", também se encaixam em seus contos detectivescos, por possuírem: a) um processo de investigação ou simplesmente manuseio de provas e pistas de um mistério, liderado por uma figura única; b) um ajudante para induzir o investigador a expor seus raciocínios (o segundo excepcionalmente não apresenta isso); c) a resolução do mistério após etapas lógicas no manuseio das pistas. O primeiro dos dois faz tudo isso, e o segundo o faz, digamos, de forma inversa, por isso sua colocação entre os demais. Os cinco juntos foram levados a cabo por editores renomados e estudiosos da obra de Poe, como John Ingram, e editores luso-brasileiros inclusive, como Vergílio Godinho e Oscar Mendes. 6. E o erro mais grave de todos, se a intenção realmente fosse ensinar sobre Poe: deixou de lado sua produção poética. Em 1845, Poe, em prefácio à última publicação sua de seus poemas, disse que a poesia seria sua escolha unânime, não fossem circunstâncias alheias à sua vontade. Biógrafos como Harvey Allen, Arthur H. Quinn e Thomas O. Mabbott (este o maior estudioso de sua poética e os primeiros como os autores de sua biografia definitiva) lideraram a disseminação deste anúncio ao público, de que Poe era "irremediavelmente poeta" (anotação de sua própria mão em 1827). Este erro mais grave merece uma dissertação inteira sobre a legitimidade da poesia na alma e na obra de Poe, e a criação em prosa simplesmente sob interesses financeiros. Vide os estudos de Margarida V. do Gato sobre Poe e os supracitados. Mas é claro que a intenção não era ensinar sobre Poe com exatidão, mas falar de seus contos apenas, afinal, o título do vídeo. Embora poucos venham a ler isto, termino a dizer: a obra de Poe no idioma português, principalmente no Brasil, está manchada. Se você gosta deste poeta, busque sair de sua visão como um "escritor de contos de terror", "um louco", "um homem poeticamente atormentado", e busque ver sua importância na poesia americana, no jornalismo (Poe foi o primeiro literato a prever o uso ágil da informação na globalização, além de ser um crítico da democracia moderna) e na arte.
Victor, li atentamente seu comentário elucidativo. Aliás, estou impressionado com sua bagagem sobre a contextualização da obra e vida de Poe. Vc deve ser professor de literatura. Existe alguma boa biografia do Poe no Brasil? E sobre a questão do alcoolismo, o que tem a dizer? Será que parte significativa da crítica metia o pau na obra do Poe por conta da fórmula por ele usada? Acho estranho isso porque o próprio Fernando Pessoa, por exemplo, considerava Poe um referencial sim como escritor, ou seja, parecia não ver defeitos nos textos do autor americano. Abraços e obrigado pela atenção!
Sanag265 Olá, Sanag. Agradeço sinceramente os elogios embora, hoje, eu perceba que um comentário como esse meu tenha sido desnecessário em seus detalhes. Embora também não seja professor, somente um estudioso da psicologia de Poe (sou psicólogo), mas também de toda a sua obra. Só gostaria de lembrar mais uma coisa: esse não é um livro de Poe, é o nome comum às coletâneas de seus contos. Ok? Pelo comentário abaixo, pode ser que haja gente pensando que esse seja um livro de Poe. Mas é querer demais, às vezes, que Poe seja bem aceito, visto sua complexidade, tanto pela obra quanto pela vida pessoal. Deveria se orgulhar muito disso, você, por compreendê-lo mais além do que o geral de seus leitores, e buscar sempre compreendê-lo. Eu humildemente te parabenizo. Quanto à biografia, infelizmente não temos uma biografia aceitável de Poe em português (o que já era esperado, se você acompanhou meu raciocínio). Se quiser apreender o Poe utópico, escritor de terror, idealizado, fútil e superficial, pode buscar "O livro completo de Edgar Allan Poe", por exemplo, e outras populações de edições mal feitas. Se quiser algo aprofundado e mais fidedigno, realmente útil para adquirir conhecimento, posso te aconselhar a buscar na Estante Virtual a biografia "Israfel: Vida e Época de Edgar Allan Poe" de Harvey Allen, em dois volumes. Muito bem traduzida em 1845 por Oscar Mendes e Milton Amado (os tradutores definitivos de Poe aqui no Brasil), essa biografia é muito criticada por ter sido construída, em grande parte, através de entrevistas com pessoas que conviveram com Poe. Mas possui informações preciosíssimas tiradas diretamente de documentos (Allen, por exemplo, neste livro, foi o primeiro a detalhar a estada de Poe no exército. Antes desse biógrafo, ainda se acreditava grandemente que Poe esteve viajando o mundo, segundo o próprio Poe relata. Allen também apresentou documentos inéditos à época, como os mais antigos versos que conhecemos de Poe, escritos em sua tenra adolescência. Um dístico, sem rima, chamado "Poetry"). Se você costuma ler em inglês, ou se pretende ler, já te adianto que a melhor biografia, a definitiva de Poe, é a de Arthur Hobson Quinn: "Edgar Allan Poe: A Critical Biography". Procure-a algum dia. Espero ter ajudado. Quanto ao alcoolismo, creio que a visão de Poe como alcoolista sofre muito o exagero geral sobre a visão deturpada do próprio autor. Decorre em grande parte do artigo de Griswold, que o expunha como bêbado. Mas creio, embora com um pé atrás, que a relação de Poe com a bebida seja, de fato, abusiva, em algum nível. Mas é o máximo que me arrisco a dizer. A biografia de Allen que sugeri, por exemplo, diz que Poe bebia não por vício, mas por afogar as mágoas de sua vida miserável, e é no que creio. Não me convenci ainda pela prova que a própria Renata levanta sobre essa questão. Há ainda autores, autores que abordam psicologicamente a figura de Poe, como Marie Bonaparte e Godinho, que dizem que a bebida de Poe decorre de uma influência psicopatológica, de um vício herdado de seu pai e seu avô. Mas para explanar isso, necessitaria um aprofundamento em teorias psicológicas da Psicopatologia. Se te interessa, busque Emile Lauvriere, Edgar Poe Sa Vie et Son Oeuvre - étude de Psychologie Pathologique. Mas creio que seja cedo para você pesquisar algo assim. Abraço
a suavidade na maneira que a professora ensina é admirável.
Entrevista maravilhoda!
Estou amando essa serie!!!!
Adoro os vídeos de Literatura Fundamental! Incrível
Excelente série de entrevistas! Pena que a TV Cultura SP programou em um horário horrível.
muito bom........
ainda tenho que ler esse livro do Edgar Allan Poe !
Estou lendo ele agora, marcos apolo junior, e extremamente atraído pelo constante clima sombrio de mistério, morte e horror que cerca a obra dele. É exatamente essa edição que está com o entrevistador.
Sei que temos muita coisa pra ler na vida, mas acredite, Poe não pode ficar de fora.
Robson Valentim opah vou ler de certeza e otima leitura pra ti meu amigo, abração !
Infelizmente, os estudos de Poe no Brasil, quando pensamos que algo novo pode vir a contribuir com sua melhor visibilidade, uma legítima, acaba nos decepcionando mais e mais. A professora infelizmente parece ter focado mais na infelizmente clássica visão (e desrespeitosa) do poeta em seus estudos: a de um escritor de histórias de terror, simplesmente. Acaba cometendo uma série de erros, em ordem:
1. O primeiro livro publicado por Poe realmente foi em 1827, mas foi com o próprio dinheiro, recebido a custo do Pai. Somente o terceiro volume, terceiro, aí sim publicado em West Point (Poe esteve na academia de 1829-31), somente este foi publicado com o auxílio de colegas. A professora coloca os dois volumes como publicados na Academia.
2. Poe esteve de fevereiro a dezembro de 1826 na Universidade de Virginia, e não seis meses. Seis meses, aproximadamente, Poe esteve no entreato de West Point. A informação é significativa pois Poe esteve, durante pouco mais de seis meses após a saída do exército, no qual entrou em 1827, sob os cuidados temporários da tia Clemm, em Baltimore, esperando a aceitação na Academia. Neste tempo, naquela cidade, ele publicou seu segundo volume.
3. A professora cita "A Queda da Casa de Usher" e o "Gato Preto" como os primeiros contos (a fazer sucesso). E confirma isso. Nem foram os primeiros a surgir nem os primeiros famosos. Respectivamente, a data de sua publicação: 1839 e 1841. Os primeiros contos de Poe surgiram em 1832, e já fizeram sucesso. "Metzengerstein" recebeu um pedido (literalmente) para ser publicado, em janeiro de 32, e "MS Encontrado numa Garrafa" recebeu um prêmio em 1833 num jornal de Baltimore.
4. A primeira tradução de Poe em França foi de "Os Crimes da Rua Morgue". Desconto à professora, pois esta tradução não trazia o nome do autor original. Mas aqui ela solta uma pérola: "O Escaravelho do Diabo". O conto de Poe nunca foi traduzido em português dessa forma, mas sempre literalmente ("O Escaravelho de Ouro"). O título dado pela professora é de um livro brasileiro de literatura infantil de Lúcia Machado de Almeida, que nada tem a ver com Poe.
5. Três contos de detetive, sim, mas três com Dupin. "O Escaravelho de Ouro" e "Tu és o Homem", também se encaixam em seus contos detectivescos, por possuírem: a) um processo de investigação ou simplesmente manuseio de provas e pistas de um mistério, liderado por uma figura única; b) um ajudante para induzir o investigador a expor seus raciocínios (o segundo excepcionalmente não apresenta isso); c) a resolução do mistério após etapas lógicas no manuseio das pistas. O primeiro dos dois faz tudo isso, e o segundo o faz, digamos, de forma inversa, por isso sua colocação entre os demais. Os cinco juntos foram levados a cabo por editores renomados e estudiosos da obra de Poe, como John Ingram, e editores luso-brasileiros inclusive, como Vergílio Godinho e Oscar Mendes.
6. E o erro mais grave de todos, se a intenção realmente fosse ensinar sobre Poe: deixou de lado sua produção poética. Em 1845, Poe, em prefácio à última publicação sua de seus poemas, disse que a poesia seria sua escolha unânime, não fossem circunstâncias alheias à sua vontade. Biógrafos como Harvey Allen, Arthur H. Quinn e Thomas O. Mabbott (este o maior estudioso de sua poética e os primeiros como os autores de sua biografia definitiva) lideraram a disseminação deste anúncio ao público, de que Poe era "irremediavelmente poeta" (anotação de sua própria mão em 1827). Este erro mais grave merece uma dissertação inteira sobre a legitimidade da poesia na alma e na obra de Poe, e a criação em prosa simplesmente sob interesses financeiros. Vide os estudos de Margarida V. do Gato sobre Poe e os supracitados. Mas é claro que a intenção não era ensinar sobre Poe com exatidão, mas falar de seus contos apenas, afinal, o título do vídeo.
Embora poucos venham a ler isto, termino a dizer: a obra de Poe no idioma português, principalmente no Brasil, está manchada. Se você gosta deste poeta, busque sair de sua visão como um "escritor de contos de terror", "um louco", "um homem poeticamente atormentado", e busque ver sua importância na poesia americana, no jornalismo (Poe foi o primeiro literato a prever o uso ágil da informação na globalização, além de ser um crítico da democracia moderna) e na arte.
Victor, li atentamente seu comentário elucidativo.
Aliás, estou impressionado com sua bagagem sobre a contextualização da obra e vida de Poe.
Vc deve ser professor de literatura.
Existe alguma boa biografia do Poe no Brasil?
E sobre a questão do alcoolismo, o que tem a dizer?
Será que parte significativa da crítica metia o pau na obra do Poe por conta da fórmula por ele usada? Acho estranho isso porque o próprio Fernando Pessoa, por exemplo, considerava Poe um referencial sim como escritor, ou seja, parecia não ver defeitos nos textos do autor americano.
Abraços e obrigado pela atenção!
Sanag265 Olá, Sanag. Agradeço sinceramente os elogios embora, hoje, eu perceba que um comentário como esse meu tenha sido desnecessário em seus detalhes. Embora também não seja professor, somente um estudioso da psicologia de Poe (sou psicólogo), mas também de toda a sua obra.
Só gostaria de lembrar mais uma coisa: esse não é um livro de Poe, é o nome comum às coletâneas de seus contos. Ok? Pelo comentário abaixo, pode ser que haja gente pensando que esse seja um livro de Poe.
Mas é querer demais, às vezes, que Poe seja bem aceito, visto sua complexidade, tanto pela obra quanto pela vida pessoal. Deveria se orgulhar muito disso, você, por compreendê-lo mais além do que o geral de seus leitores, e buscar sempre compreendê-lo. Eu humildemente te parabenizo. Quanto à biografia, infelizmente não temos uma biografia aceitável de Poe em português (o que já era esperado, se você acompanhou meu raciocínio). Se quiser apreender o Poe utópico, escritor de terror, idealizado, fútil e superficial, pode buscar "O livro completo de Edgar Allan Poe", por exemplo, e outras populações de edições mal feitas.
Se quiser algo aprofundado e mais fidedigno, realmente útil para adquirir conhecimento, posso te aconselhar a buscar na Estante Virtual a biografia "Israfel: Vida e Época de Edgar Allan Poe" de Harvey Allen, em dois volumes. Muito bem traduzida em 1845 por Oscar Mendes e Milton Amado (os tradutores definitivos de Poe aqui no Brasil), essa biografia é muito criticada por ter sido construída, em grande parte, através de entrevistas com pessoas que conviveram com Poe. Mas possui informações preciosíssimas tiradas diretamente de documentos (Allen, por exemplo, neste livro, foi o primeiro a detalhar a estada de Poe no exército. Antes desse biógrafo, ainda se acreditava grandemente que Poe esteve viajando o mundo, segundo o próprio Poe relata. Allen também apresentou documentos inéditos à época, como os mais antigos versos que conhecemos de Poe, escritos em sua tenra adolescência. Um dístico, sem rima, chamado "Poetry").
Se você costuma ler em inglês, ou se pretende ler, já te adianto que a melhor biografia, a definitiva de Poe, é a de Arthur Hobson Quinn: "Edgar Allan Poe: A Critical Biography". Procure-a algum dia.
Espero ter ajudado.
Quanto ao alcoolismo, creio que a visão de Poe como alcoolista sofre muito o exagero geral sobre a visão deturpada do próprio autor. Decorre em grande parte do artigo de Griswold, que o expunha como bêbado. Mas creio, embora com um pé atrás, que a relação de Poe com a bebida seja, de fato, abusiva, em algum nível. Mas é o máximo que me arrisco a dizer. A biografia de Allen que sugeri, por exemplo, diz que Poe bebia não por vício, mas por afogar as mágoas de sua vida miserável, e é no que creio. Não me convenci ainda pela prova que a própria Renata levanta sobre essa questão.
Há ainda autores, autores que abordam psicologicamente a figura de Poe, como Marie Bonaparte e Godinho, que dizem que a bebida de Poe decorre de uma influência psicopatológica, de um vício herdado de seu pai e seu avô. Mas para explanar isso, necessitaria um aprofundamento em teorias psicológicas da Psicopatologia. Se te interessa, busque Emile Lauvriere,
Edgar Poe Sa Vie et Son Oeuvre - étude de Psychologie Pathologique. Mas creio que seja cedo para você pesquisar algo assim.
Abraço