Professor, boa noite. Acompanho suas aulas. Uma dúvida que sempre tive...que pode parecer uma pergunta idiota partindo de um aluno de Geografia rss Independente de método, sendo a Geografia uma ciência que tem como o centro a geograficidade das coisas, o que implica em compreender a razão de suas posições e as relações entre entre essas "coisas" (uma ciência de relações) como isso compõe o todo, e como esse todo também pode trazer a compreensão de tudo o que o compõe, trazendo uma visão um tanto quanto sistemática de funcionamento do mundo... Seria a Geografia uma ciência, essencialmente, estruturalista?
Olá, pergunta sensacional. Vou lhe deixar meu ponto de vista. A geografia, tanto em seu aspecto físico quanto humano tem uma tendência muito forte em relação a teoria dos sistemas. Nesse ponto é importante pensar que a noção de sistema não é necessariamente estruturalista, o próprio marxismo trabalha com essa noção, exemplo: sistema capitalista. Filosoficamente há uma aproximação entre o conceito de sistema e de estrutura. No entanto, seria difícil dizer que se trata de uma ciência estruturalista, e isto acredito que por alguns motivos. Primeiro que a geografia enquanto modo de pensar o mundo é muito anterior ao estruturalismo. Poderíamos dizer que mesmo assim existia uma noção estruturalista em sua base? Difícil de dizer trata-se do caso onde após o surgimento do conceito, tudo que é historicamente anterior a ele ganha um certo sentido. O que de fato pode ser pensado é que a geografia não era estritamente movida pelo estruturalismo. Um outro ponto é que o estruturalismo como teoria e método é muito grande, possuindo uma ampla variedade de concepções. Mas tomemos o estruturalismo de uma maneira mais clássica, pela obra de Levi Strauss. Há uma certa noção de que as estruturas movem-se como que de forma independente, o que foi principalmente utilizado para se pensar a linguagem. Nem sempre essa é a noção utilizada pela geografia. Talvez o conceito que nos leve a pensar essa tendência estruturalista seja o de totalidade. Mas a noção de totalidade é, geralmente, tomada pela dialética. O que não impediu que autores como Milton Santos buscassem desenvolver uma dialética estruturalista, ou um marxismo estruturalista. Penso que se entendermos que para ser estruturalista é necessária pensar segundo estruturas, pode-se dizer que a geografia é fortemente estruturalista. Nossa ciência carrega consigo várias características: a relação do todo com as partes (inclusive destacando muitas vezes maior importância ao todo, como Milton Santos ao defender que a geografia geral tem certa preponderância sobre a regional), a noção de totalidade (segundo estruturas), etc. Nos faltou muito trabalhar a questão da linguagem e seus impactos no espaço, alguns autores tentaram se aventurar nessa difração mas não com grandes resultados, um exemplo foi Claude Raffestin. Enfim, não diria que ela é estruturalista porque ela é marcada por um conjunto muito amplo de teorias e métodos, alguns dos quais buscam até proceder em contraposição a noção de sistema, um exemplo seria a fenomenologia. Mas que há certamente um forte conteúdo estruturalista em nossa ciência, que geralmente possui muita dificuldade de proceder sem a noção de estrutura. Quando dizemos que o espaço é um sistema de fixos e fluxos nos rendemos a uma perspectiva desse tipo. Milton Santos é um autor fortemente marcado pelo estruturalismo, principalmente via o pensamento de Herbert Marcuse. Se a noção de estrutura é fundamental para a geografia, podemos dizer que o estruturalismo também o é, se bem que não com exclusividade. Isso daria uma boa pesquisa na universidade! Agradeço pela pergunta.
@@Geografando1103 obrigado, professor. Muito elucidativo! É verdade, é nítida certa influência estruturalista no trabalho do Milton. Deve ser algo intrínseco a sua formação intelectual, tendo em vista que até os anos 50 o estruturalismo foi muito influente nas ciências humanas, principalmente na França, sendo o Milton contemporâneo de muitos pós estruturalistas. Imaginei que a visão geográfica atual possue similaridades com a concepção estruturalista, embora não compartilhem os mesmos pré supostos.
Professor, boa noite. Acompanho suas aulas. Uma dúvida que sempre tive...que pode parecer uma pergunta idiota partindo de um aluno de Geografia rss
Independente de método, sendo a Geografia uma ciência que tem como o centro a geograficidade das coisas, o que implica em compreender a razão de suas posições e as relações entre entre essas "coisas" (uma ciência de relações) como isso compõe o todo, e como esse todo também pode trazer a compreensão de tudo o que o compõe, trazendo uma visão um tanto quanto sistemática de funcionamento do mundo...
Seria a Geografia uma ciência, essencialmente, estruturalista?
Olá, pergunta sensacional. Vou lhe deixar meu ponto de vista.
A geografia, tanto em seu aspecto físico quanto humano tem uma tendência muito forte em relação a teoria dos sistemas. Nesse ponto é importante pensar que a noção de sistema não é necessariamente estruturalista, o próprio marxismo trabalha com essa noção, exemplo: sistema capitalista.
Filosoficamente há uma aproximação entre o conceito de sistema e de estrutura. No entanto, seria difícil dizer que se trata de uma ciência estruturalista, e isto acredito que por alguns motivos. Primeiro que a geografia enquanto modo de pensar o mundo é muito anterior ao estruturalismo. Poderíamos dizer que mesmo assim existia uma noção estruturalista em sua base? Difícil de dizer trata-se do caso onde após o surgimento do conceito, tudo que é historicamente anterior a ele ganha um certo sentido. O que de fato pode ser pensado é que a geografia não era estritamente movida pelo estruturalismo.
Um outro ponto é que o estruturalismo como teoria e método é muito grande, possuindo uma ampla variedade de concepções. Mas tomemos o estruturalismo de uma maneira mais clássica, pela obra de Levi Strauss. Há uma certa noção de que as estruturas movem-se como que de forma independente, o que foi principalmente utilizado para se pensar a linguagem. Nem sempre essa é a noção utilizada pela geografia. Talvez o conceito que nos leve a pensar essa tendência estruturalista seja o de totalidade. Mas a noção de totalidade é, geralmente, tomada pela dialética. O que não impediu que autores como Milton Santos buscassem desenvolver uma dialética estruturalista, ou um marxismo estruturalista.
Penso que se entendermos que para ser estruturalista é necessária pensar segundo estruturas, pode-se dizer que a geografia é fortemente estruturalista. Nossa ciência carrega consigo várias características: a relação do todo com as partes (inclusive destacando muitas vezes maior importância ao todo, como Milton Santos ao defender que a geografia geral tem certa preponderância sobre a regional), a noção de totalidade (segundo estruturas), etc. Nos faltou muito trabalhar a questão da linguagem e seus impactos no espaço, alguns autores tentaram se aventurar nessa difração mas não com grandes resultados, um exemplo foi Claude Raffestin.
Enfim, não diria que ela é estruturalista porque ela é marcada por um conjunto muito amplo de teorias e métodos, alguns dos quais buscam até proceder em contraposição a noção de sistema, um exemplo seria a fenomenologia. Mas que há certamente um forte conteúdo estruturalista em nossa ciência, que geralmente possui muita dificuldade de proceder sem a noção de estrutura. Quando dizemos que o espaço é um sistema de fixos e fluxos nos rendemos a uma perspectiva desse tipo. Milton Santos é um autor fortemente marcado pelo estruturalismo, principalmente via o pensamento de Herbert Marcuse. Se a noção de estrutura é fundamental para a geografia, podemos dizer que o estruturalismo também o é, se bem que não com exclusividade.
Isso daria uma boa pesquisa na universidade!
Agradeço pela pergunta.
@@Geografando1103 obrigado, professor. Muito elucidativo! É verdade, é nítida certa influência estruturalista no trabalho do Milton. Deve ser algo intrínseco a sua formação intelectual, tendo em vista que até os anos 50 o estruturalismo foi muito influente nas ciências humanas, principalmente na França, sendo o Milton contemporâneo de muitos pós estruturalistas. Imaginei que a visão geográfica atual possue similaridades com a concepção estruturalista, embora não compartilhem os mesmos pré supostos.