Álvaro de Campos :: Opiário / Por Mário Viegas

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  • Опубликовано: 25 авг 2024
  • Álvaro de Campos [Fernando Pessoa (1888-1935)]
    VÍDEO_POEMA_069
    “Opiário” (1915). in «Poesias de Álvaro de Campos», Edições Ática, Lisboa
    Mário Viegas, LP «Humores», Orfeu, Disco I, Lado B (1980)
    Audio: Arcade Fire, “Song on the beach” in «Her OST» (2013); John Cale “Paris s’eveille” in «Paris s'eveille - suivi d'autres compositions», Les Disques du Crépuscule (1991)
    Filmado em Zadar (Croácia)

Комментарии • 35

  •  Год назад +5

    Magníficos, os quatro: Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Mário Viegas e o Poema. Obrigado pela partilha.

  • @rosabaiao3867
    @rosabaiao3867 2 года назад +5

    O " Opiario" o regalo de e para minha alma!.. Nele se congrega a genialidade de Álvaro de Campos e a musicalidade que só Mário Viegas conseguiu indelevelmente, dar às palavras!!!

  • @paulomoises4627
    @paulomoises4627 2 года назад +10

    Não sei o que é mais triste,a poesia de Pessoa ou a falta de interesse das pessoas em poesia,?

    • @goncalosoaresdejesus8911
      @goncalosoaresdejesus8911 6 месяцев назад

      A poesia de Pessoa não é triste. A poesia deste autor é expurgadora da tristeza que se nos atira ao longo da vida. Como um cão, que se agita à água selvagem para sempre no seu pelo em digestão de infinitos. A poesia do Pessoa é olhos, braços e pernas daquilo que em nós sempre há e sempre, sempre escondemos. Como o tal cão, do pelo, atrás de um poste qualquer, que não o esconde mas lhe dá essa mesma sensação. Um poste é a poesia do Pessoa, no meio de uma rua esquecida e banal repleta de cães vadios e perdidos em si, por si.
      Desculpe o desabafo. Veio-me tudo isto à cabeça, sem querer.
      Bom tudo,

  • @brendadias2266
    @brendadias2266 4 года назад +44

    OPIÁRIO
    Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro
    É antes do ópio que a minh’alma é doente.
    Sentir a vida convalesce e estiola
    E eu vou buscar ao ópio que consola
    Um Oriente ao oriente do Oriente.
    Esta vida de bordo há-de matar-me.
    São dias só de febre na cabeça
    E, por mais que procure até que adoeça,
    Já não encontro a mola pra adaptar-me.
    Em paradoxo e incompetência astral
    Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
    Onda onde o pundonor é uma descida
    E os próprios gozos gânglios do meu mal.
    É por um mecanismo de desastres,
    Uma engrenagem com volantes falsos,
    Que passo entre visões de cadafalsos
    Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.
    Vou cambaleando através do lavor
    Duma vida-interior de renda e laca.
    Tenho a impressão de ter em casa a faca
    Com que foi degolado o Precursor.
    Ando expiando um crime numa mala,
    Que um avô meu cometeu por requinte.
    Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
    E caí no ópio como numa vala.
    Ao toque adormecido da morfina
    Perco-me em transparências latejantes
    E numa noite cheia de brilhantes
    Ergue-se a lua como a minha Sina.
    Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
    Não faço mais que ver o navio ir
    Pelo canal de Suez a conduzir
    A minha vida, cânfora na aurora.
    Perdi os dias que já aproveitara.
    Trabalhei para ter só o cansaço
    Que é hoje em mim uma espécie de braço
    Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.
    E fui criança como toda a gente.
    Nasci numa província portuguesa
    E tenho conhecido gente inglesa
    Que diz que eu sei inglês perfeitamente.
    Gostava de ter poemas e novelas
    Publicados por Plon e no Mercure,
    Mas é impossível que esta vida dure,
    Se nesta viagem nem houve procelas!
    A vida a bordo é uma coisa triste,
    Embora a gente se divirta às vezes.
    Falo com alemães, suecos e ingleses
    E a minha mágoa de viver persiste.
    Eu acho que não vale a pena ter
    Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
    A terra é semelhante e pequenina
    E há só uma maneira de viver.
    Por isso eu tomo ópio. É um remédio.
    Sou um convalescente do Momento.
    Moro no rés-do-chão do pensamento
    E ver passar a Vida faz-me tédio.
    Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
    Muito a leste não fosse o oeste já!
    Pra que fui visitar a Índia que há
    Se não há Índia senão a alma em mim?
    Sou desgraçado por meu morgadio.
    Os ciganos roubaram minha Sorte.
    Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
    Um lugar que me abrigue do meu frio.
    Eu fingi que estudei engenharia.
    Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
    Meu coração é uma avozinha que anda
    Pedindo esmola às portas da Alegria.
    Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
    Volta à direita, nem eu sei para onde.
    Passo os dias no smoking-room com o conde -
    Um escroc francês, conde de fim de enterro.
    Volto à Europa descontente, e em sortes
    De vir a ser um poeta sonambólico.
    Eu sou monárquico mas não católico
    E gostava de ser as coisas fortes.
    Gostava de ter crenças e dinheiro,
    Ser vária gente insípida que vi.
    Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
    Num navio qualquer um passageiro.
    Não tenho personalidade alguma.
    É mais notado que eu esse criado
    De bordo que tem um belo modo alçado
    De laird escocês há dias em jejum.
    Não posso estar em parte alguma. A minha
    Pátria é onde não estou. Sou doente e fraco.
    O comissário de bordo é velhaco.
    Viu-me co’a sueca... e o resto ele adivinha.
    Um dia faço escândalo cá a bordo,
    Só para dar que falar de mim aos mais.
    Não posso com a vida, e acho fatais
    As iras com que às vezes me debordo.
    Levo o dia a fumar, a beber coisas,
    Drogas americanas que entontecem,
    E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
    Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.
    Escrevo estas linhas. Parece impossível
    Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
    O facto é que esta vida é uma quinta
    Onde se aborrece uma alma sensível.
    Os ingleses são feitos pra existir.
    Não há gente como esta pra estar feita
    Com a Tranquilidade. A gente deita
    Um vintém e sai um deles a sorrir.
    Pertenço a um género de portugueses
    Que depois de estar a Índia descoberta
    Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
    Tenho pensado nisto muitas vezes.
    Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
    Nem leio o livro à minha cabeceira.
    Enoja-me o Oriente. É uma esteira
    Que a gente enrola e deixa de ser bela.
    Caio no ópio por força. Lá querer
    Que eu leve a limpo uma vida destas
    Não se pode exigir. Almas honestas
    Com horas pra dormir e pra comer,
    Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
    Porque estes nervos são a minha morte.
    Não haver um navio que me transporte
    Para onde eu nada queira que o não veja!
    Ora! Eu cansava-me do mesmo modo.
    Queria outro ópio mais forte pra ir de ali
    Para sonhos que dessem cabo de mim
    E pregassem comigo nalgum lodo.
    Febre! Se isto que tenho não é febre,
    Não sei como é que se tem febre e sente.
    O facto essencial é que estou doente.
    Está corrida, amigos, esta lebre.
    Veio a noite. Tocou já a primeira
    Corneta, pra vestir para o jantar.
    Vida social por cima! Isso! E marchar
    Até que a gente saia pla coleira!
    Porque isto acaba mal e há-de haver
    (Olá!) sangue e um revólver lá prò fim
    Deste desassossego que há em mim
    E não há forma de se resolver.
    E quem me olhar, há-de-me achar banal,
    A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
    O meu próprio monóculo me faz
    Pertencer a um tipo universal.
    Ah quanta alma haverá, que ande metida
    Assim como eu na Linha, e como eu mística!
    Quantos sob a casaca característica
    Não terão como eu o horror à vida?
    Se ao menos eu por fora fosse tão
    Interessante como sou por dentro!
    Vou no Maelstrom, cada vez mais prò centro.
    Não fazer nada é a minha perdição.
    Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
    Pudesse a gente desprezar os outros
    E, ainda que co’os cotovelos rotos,
    Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!
    Tenho vontade de levar as mãos
    À boca e morder nelas fundo e a mal.
    Era uma ocupação original
    E distraía os outros, os tais sãos.
    O absurdo, como uma flor da tal Índia
    Que não vim encontrar na Índia, nasce
    No meu cérebro farto de cansar-se.
    A minha vida mude-a Deus ou finde-a...
    Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
    Até virem meter-me no caixão.
    Nasci pra mandarim de condição,
    Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.
    Ah que bom que era ir daqui de caída
    Prà cova por um alçapão de estouro!
    A vida sabe-me a tabaco louro.
    Nunca fiz mais do que fumar a vida.
    E afinal o que quero é fé, é calma,
    E não ter estas sensações confusas.
    Deus que acabe com isto! Abra as eclusas -
    E basta de comédias na minh’alma!

  • @valnisiamaral
    @valnisiamaral 4 года назад +10

    Vício só de amar! Vício pelo ser amado! Saliento que devemos usar o compasso para alternar o passo com o intuito de chegar no momento certo. Momento esse, que ao entrar no barco da vida, caso não possa mundar os ventos; tenha o discernimento para ajustar as velas, e colocar a vida no rumo certo. Parabéns, pela chegada triunfante! Tu és um vencedor WR.

  • @manuelagarciafreirecandido
    @manuelagarciafreirecandido 7 месяцев назад +4

    Já li esse poema muitas vezes, é um de meus favoritos. Mas a forma que essa leitura me trouxe novas emoções... impossível não se emocionar! Interpretação maravilhosa.

  • @henriquecostacosta4376
    @henriquecostacosta4376 5 лет назад +6

    Sublime Grande fernando Pessoa expoente máximo da poesia portuguesa e narrado por um excelente comunicador Mario Viegas

  • @jeanjacqueslundi3502
    @jeanjacqueslundi3502 2 месяца назад

    Mais Mário Viegas por favor. Se tiver mais Viegas a ler Pessoa, ainda melhor :)

  • @rodrigomaia501
    @rodrigomaia501 5 лет назад +13

    "... minha pátria é onde não estou..."

  • @RicardoMartins-hr7wz
    @RicardoMartins-hr7wz 7 месяцев назад +1

    Por mim; poesia sempre foi um refinado modo de oração e a mais desafiante e requintada filosofia. Poema e diseur , preciosos; lúcidos. Porra!

  • @homensdeti
    @homensdeti 5 лет назад +8

    Por favor continue , são ótimos os videos😍

    • @cinepovero2009
      @cinepovero2009  5 лет назад

      Obrigado! Vou continuar, embora a um ritmo mais pausado

  • @flaviamariaschlee4112
    @flaviamariaschlee4112 Год назад +3

    Intensa vida

  • @melness5972
    @melness5972 5 лет назад +4

    Excelente!!

  • @elisavieira737
    @elisavieira737 4 года назад +1

    Beautiful thanks xxx

  • @RafaelMagao3
    @RafaelMagao3 4 года назад +3

    maravilhoso

  • @RellttiSom
    @RellttiSom 5 лет назад +6

    Como que tão pouca gente conhece esse canal

    • @cinepovero2009
      @cinepovero2009  5 лет назад +3

      Welcome Régis ao canal de poesia mais secreto que há ;)

  • @gracaleite2852
    @gracaleite2852 8 месяцев назад +1

    Pois eh! ...

  • @guidasilva8563
    @guidasilva8563 2 года назад

    Maravilhoso lindo poema mas triste vida de opiário

  • @symerasantos5774
    @symerasantos5774 3 года назад

    Ah quanta alma haverá, que ande metida
    Assim como eu na Linha, e como eu mística!
    Quantos sob a casaca característica
    Não terão como eu o horror à vida?
    Se ao menos eu por fora fosse tão
    Interessante como sou por dentro!
    Álvaro de Campos, meu amor em Pessoa!

  • @coolturaalpha3340
    @coolturaalpha3340 2 года назад +2

    Esta vida de bordo há de matar-me

    • @cinepovero2009
      @cinepovero2009  2 года назад +1

      O que me deu particular prazer ao fazer este vídeo-poema foi que toda a "ação" decorre "No Canal de Suez, a bordo", mas todas as imagens são filmadas num cais, em terra. Este contraste entre o que se diz e o que se mostra abre uma janela para o sentido do poema.

  • @eulaliavarandas1680
    @eulaliavarandas1680 3 года назад

    🙏👏👏

  • @valnisiamaral
    @valnisiamaral 4 года назад +2

    Viver sob o efeito das drogas...
    Lícitas ou não.
    Viver com os nervos adormecidos pelos tranquilizantes.
    Viver na fresta que existe entre a lucidez e o desassossego/delírio.
    Viver vivendo ou viver vegetando?
    Zero sensações confusas.

    • @cinepovero2009
      @cinepovero2009  3 года назад +3

      Este é um dos meus poema preferidos de Álvaro de Campos. E passei uma tarde inteira a filmar em Zadar para conseguir montar estes 12 minutos de imagens...

    • @valnisiamaral
      @valnisiamaral 3 года назад

      @@cinepovero2009 Parabéns! Ótimo trabalho!🥂

  • @DyennoRodrigues
    @DyennoRodrigues 2 года назад +1

    Não posso com a vida.

  • @danielsequeira9489
    @danielsequeira9489 Год назад

    Bora conversar?

  • @JoanaGleyze
    @JoanaGleyze 5 лет назад +2

    Eu poderia jurar que esse áudio de fundo é Satie, mas não estou muito certa.

    • @cinepovero2009
      @cinepovero2009  5 лет назад +1

      Pelo que conheço da obra de Eric Satie nenhuma das peças se inspira nele. Porém a dos Arcade Fire tem semelhanças estilísticas com Satie... Obrigado pelo seu comentário

  • @luigistart
    @luigistart 3 года назад +3

    É antes do ópio que a minh’alma é doente.
    Sentir a vida convalesce e estiola
    E eu vou buscar ao ópio que consola
    Um Oriente ao oriente do Oriente.
    Esta vida de bordo há-de matar-me.
    São dias só de febre na cabeça
    E, por mais que procure até que adoeça,
    Já não encontro a mola pra adaptar-me.
    Em paradoxo e incompetência astral
    Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
    Onda onde o pundonor é uma descida
    E os próprios gozos gânglios do meu mal.
    É por um mecanismo de desastres,
    Uma engrenagem com volantes falsos,
    Que passo entre visões de cadafalsos
    Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.
    Vou cambaleando através do lavor
    Duma vida-interior de renda e laca.
    Tenho a impressão de ter em casa a faca
    Com que foi degolado o Precursor.
    Ando expiando um crime numa mala,
    Que um avô meu cometeu por requinte.
    Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
    E caí no ópio como numa vala.
    Ao toque adormecido da morfina
    Perco-me em transparências latejantes
    E numa noite cheia de brilhantes
    Ergue-se a lua como a minha Sina.
    Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
    Não faço mais que ver o navio ir
    Pelo canal de Suez a conduzir
    A minha vida, cânfora na aurora.
    Perdi os dias que já aproveitara.
    Trabalhei para ter só o cansaço
    Que é hoje em mim uma espécie de braço
    Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.
    E fui criança como toda a gente.
    Nasci numa província portuguesa
    E tenho conhecido gente inglesa
    Que diz que eu sei inglês perfeitamente.
    Gostava de ter poemas e novelas
    Publicados por Plon e no Mercure,
    Mas é impossível que esta vida dure,
    Se nesta viagem nem houve procelas!
    A vida a bordo é uma coisa triste,
    Embora a gente se divirta às vezes.
    Falo com alemães, suecos e ingleses
    E a minha mágoa de viver persiste.
    Eu acho que não vale a pena ter
    Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
    A terra é semelhante e pequenina
    E há só uma maneira de viver.
    Por isso eu tomo ópio. É um remédio.
    Sou um convalescente do Momento.
    Moro no rés-do-chão do pensamento
    E ver passar a Vida faz-me tédio.
    Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
    Muito a leste não fosse o oeste já!
    Pra que fui visitar a Índia que há
    Se não há Índia senão a alma em mim?
    Sou desgraçado por meu morgadio.
    Os ciganos roubaram minha Sorte.
    Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
    Um lugar que me abrigue do meu frio.
    Eu fingi que estudei engenharia.
    Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
    Meu coração é uma avozinha que anda
    Pedindo esmola às portas da Alegria.
    Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
    Volta à direita, nem eu sei para onde.
    Passo os dias no smoking-room com o conde -
    Um escroc francês, conde de fim de enterro.
    Volto à Europa descontente, e em sortes
    De vir a ser um poeta sonambólico.
    Eu sou monárquico mas não católico
    E gostava de ser as coisas fortes.
    Gostava de ter crenças e dinheiro,
    Ser vária gente insípida que vi.
    Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
    Num navio qualquer um passageiro.
    Não tenho personalidade alguma.
    É mais notado que eu esse criado
    De bordo que tem um belo modo alçado
    De laird escocês há dias em jejum.
    Não posso estar em parte alguma. A minha
    Pátria é onde não estou. Sou doente e fraco.
    O comissário de bordo é velhaco.
    Viu-me co’a sueca... e o resto ele adivinha.
    Um dia faço escândalo cá a bordo,
    Só para dar que falar de mim aos mais.
    Não posso com a vida, e acho fatais
    As iras com que às vezes me debordo.
    Levo o dia a fumar, a beber coisas,
    Drogas americanas que entontecem,
    E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
    Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.
    Escrevo estas linhas. Parece impossível
    Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
    O facto é que esta vida é uma quinta
    Onde se aborrece uma alma sensível.
    Os ingleses são feitos pra existir.
    Não há gente como esta pra estar feita
    Com a Tranquilidade. A gente deita
    Um vintém e sai um deles a sorrir.
    Pertenço a um género de portugueses
    Que depois de estar a Índia descoberta
    Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
    Tenho pensado nisto muitas vezes.
    Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
    Nem leio o livro à minha cabeceira.
    Enoja-me o Oriente. É uma esteira
    Que a gente enrola e deixa de ser bela.
    Caio no ópio por força. Lá querer
    Que eu leve a limpo uma vida destas
    Não se pode exigir. Almas honestas
    Com horas pra dormir e pra comer,
    Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
    Porque estes nervos são a minha morte.
    Não haver um navio que me transporte
    Para onde eu nada queira que o não veja!
    Ora! Eu cansava-me do mesmo modo.
    Queria outro ópio mais forte pra ir de ali
    Para sonhos que dessem cabo de mim
    E pregassem comigo nalgum lodo.
    Febre! Se isto que tenho não é febre,
    Não sei como é que se tem febre e sente.
    O facto essencial é que estou doente.
    Está corrida, amigos, esta lebre.
    Veio a noite. Tocou já a primeira
    Corneta, pra vestir para o jantar.
    Vida social por cima! Isso! E marchar
    Até que a gente saia pla coleira!
    Porque isto acaba mal e há-de haver
    (Olá!) sangue e um revólver lá prò fim
    Deste desassossego que há em mim
    E não há forma de se resolver.
    E quem me olhar, há-de-me achar banal,
    A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
    O meu próprio monóculo me faz
    Pertencer a um tipo universal.
    Ah quanta alma haverá, que ande metida
    Assim como eu na Linha, e como eu mística!
    Quantos sob a casaca característica
    Não terão como eu o horror à vida?
    Se ao menos eu por fora fosse tão
    Interessante como sou por dentro!
    Vou no Maelstrom, cada vez mais prò centro.
    Não fazer nada é a minha perdição.
    Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
    Pudesse a gente desprezar os outros
    E, ainda que co’os cotovelos rotos,
    Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!
    Tenho vontade de levar as mãos
    À boca e morder nelas fundo e a mal.
    Era uma ocupação original
    E distraía os outros, os tais sãos.
    O absurdo, como uma flor da tal Índia
    Que não vim encontrar na Índia, nasce
    No meu cérebro farto de cansar-se.
    A minha vida mude-a Deus ou finde-a...
    Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
    Até virem meter-me no caixão.
    Nasci pra mandarim de condição,
    Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.
    Ah que bom que era ir daqui de caída
    Prà cova por um alçapão de estouro!
    A vida sabe-me a tabaco louro.
    Nunca fiz mais do que fumar a vida.
    E afinal o que quero é fé, é calma,
    E não ter estas sensações confusas.
    Deus que acabe com isto! Abra as eclusas -
    E basta de comédias na minh’alma!
    No Canal de Suez, a bordo.

  • @flaviamariaschlee4112
    @flaviamariaschlee4112 Год назад +1

    Sem consolo...