Como é que se esquece alguém que se ama? | Miguel Esteves Cardoso

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  • Опубликовано: 11 сен 2024
  • Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar do que viver? Quando alguém vai embora de repente, como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está lá?
    As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os lugares têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer de repente, a outra pode ficar para sempre. Podem entrar com processos e ações de despejo contra quem se tem no coração, fazer os maiores escândalos, entrar nas maiores confusões, mas não se pode despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
    É preciso aceitar esta mágoa, esta dor que nos despedaça o coração, que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
    Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injeção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
    Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se tudo na alma, fica tudo desarrumado.
    O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos, amigos, livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças dobradas. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar...

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