Prece da tarde Amadeu Amaral
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- Опубликовано: 1 фев 2025
- Amadeu Amaral (1875-1929). Perfil do poeta no site da Academia Brasileira de Letras: www.academia.o...
PRECE DA TARDE
Gênios mansos da tarde, escutai minha prece.
Sinto-vos deslizar por estes ares... Pondes
um véu de seda azul no ombro nu da colina.
Entre as moitas, o rio, em silêncio, adormece
E sobe, lento e lento, entre os cimos e as frondes,
da fadiga da terra o sonho da neblina.
Bolem na ondulação do campo, cujos termos
se vão perder ao longe em manchas de fumaça,
longas hesitações de água em açudes quietos.
E as mulheres que vêm da fonte pelos ermos
parecem respirar tranquilidade e graça,
erguendo no ar tranquilo os cântaros repletos.
A mata, além, na linha extrema do horizonte,
junto às nuvens, que são vastas selvas aladas,
são nuvens a ondular no grilhão das raízes.
Tudo se esgarça e fluidifica. O híspido monte
dissolve a pouco e pouco, em tintas apagadas,
a aridez do contorno e o vigor dos matizes.
Gênios da tarde azul, enchei-me de harmonia...
Doces, apaziguais o vale amplo e revolto.
Também minha alma é assim, revolta: sossegai-a.
Permiti que o meu ser, na luz final do dia,
boie e paire desfeito, ondeie calmo e solto,
num sereno esplendor de água brava que espraia.
Vós que comunicais a toda a natureza,
nesta lente fusão das cores e das linhas,
do perfume e do som, tão longo êxtase mudo,
permiti que minha alma, ao jeito da represa
que se abriu e inundou as regiões convizinhas,
se derrame, calada e extática, por tudo.
Por tudo se derrame, arrastada, envolvida
por esta alma abismal das coisas, ampla e bela,
e também se desmanche em sombra e em murmúrio
e sinta-se viver de imensa e obscura vida,
que por tudo circula, e em tudo se revela,
e palpite com a fronde, e soluce com o rio.
Passada esta hora leve, em que assim se repousa
sem ilusão sem dor, numa serenidade,
que surpreende e seduz o espírito contrito,
deixa-me carregar comigo alguma cousa
deste instante feliz de beleza e verdade,
de plenitude e paz, de sonho e de infinito.
Alguma cousa, enfim, que me fique no peito,
que me fique na dor, como um suave despojo,
no tumulto e no pó do mundo estreito e amargo,
como num barco preso em porto esconso e estreito,
parece ainda pairar, entre as velas e o bojo,
a ampla palpitação das carreiras ao largo!