Perfil Alícia Peres I Espaço Húmus

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  • Опубликовано: 17 сен 2024
  • Todo tempo a rua se oferece. Nela as coisas caem, são esquecidas e livram-se dos bolsos. Cada coisa é uma história com voz miúda que grita quando arrastada pela força dos sapatos e dos carros. Existem ouvidos especiais, sensíveis às delicadezas em meio ao caos. Os ouvidos debaixo dos cachos ruivos de Alícia Peres ganham presentes. Ela escuta-os, olha para baixo, a rua faz uma oferenda. Com luvas de boxe abandonadas e cigarros de palha sem lábios, a fotógrafa cria sua Arqueologia do Desejo.
    Pois mora um desejo em cada objeto perdido, quiçá o de ser esquecido ou de ser encontrado. Mora uma lembrança. Inventar a lembrança é um caminho de revivê-la. Alícia cria narrativas poderosas em cima dos objetos abandonados. É um exercício de ressurreição: os objetos renascem em lambes, acompanhados de uma narrativa só para eles. É uma consideração pelo perdido.
    E como é importante que seja o lambe, essa plataforma que invade a cidade, a ela devora e por ela é devorada. Quando Alícia começou esse trabalho, tão logo percebeu seu caráter de oferenda e que de algum modo, era necessário retribuir. Então as ruas de São Paulo foram recebendo de volta aquilo que regurgitaram. Essa arte que escapa das galerias é um animal vivo e lírico, permissivo a múltiplas interpretações.
    E se São Paulo já é o mundo para pequenos objetos, então o mundo de verdade é um universo em expansão. E Alícia arrisca. Já levou sua Arqueologia do Desejo para muros de lugares como Índia, Nepal e Berlim. Suas narrativas já foram traduzidas para sânscrito e outros idiomas, à base de trocas por moedas antigas e a simpatia de arqueóloga moderna. E como é bonito ver lugares distantes absorvendo os objetos, transformando-os em tantas outras cicatrizes da cidade.
    Quem perde um molde de gesso do dentista, que deixa inteiro uma amostragem de cabeleireiro? Não sei, mas sei quem encontra. Dá vontade de perder algo, só pra ver se a Alícia acha.

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