Комментарии •

  • @viniciuscury8372
    @viniciuscury8372 Месяц назад

    Olá, Jonata.
    Você chegou a ler o livro "Silêncio", do Shusaku Endo?
    Se sim, gostaria de saber suas considerações. Já que ele se diz um autor católico, ou melhor, um católico autor, e também é um dos autores mencionados no livro "A Beleza salvará o Mundo".
    obs: considerei o livro bastante perturbador, mas da mesma forma que o capítulo de Crime e Castigo em que Ródia questiona Sonia sobre o futuro sombrio de seus irmãozinhos e sua postura como ela conciliava a desgraça pessoal com sua fé.
    edit: Vou colar alguns trechos aqui que possam trazer mais luz ao dilema que o autor pretendeu.

    • @viniciuscury8372
      @viniciuscury8372 Месяц назад

      Trecho do prefácio:
      "Durante muito tempo, fui atraído por um niilismo sem sentido e, quando enfim percebi o horror de tal vazio, eu outra vez me impressionei com a grandeza da fé católica. Esse problema da reconciliação do meu catolicismo com o meu sangue japonês [...] me ensinou uma coisa, qual seja: os japoneses precisam assimilar o cristianismo sem a ajuda de nenhuma tradição, história, legado ou sensibilidade cristãos. Mesmo tal tentativa já enseja muita resistência, muita angústia, muita dor. Ainda assim, é impossível nos contrapormos fechando os olhos às dificuldades. Sem dúvida, foi essa a cruz especial que Deus deu aos japoneses."

    • @viniciuscury8372
      @viniciuscury8372 Месяц назад

      Trecho da conversa entre os padres apóstatas:
      “Durante vinte anos, mourejei na missão”, repetiu Ferreira, numa voz sem emoção. “A única coisa que sei é que nossa religião não cria raízes neste país.” “Não é que não crie raízes!”, gritou Rodrigues, balançando negativamente a cabeça. “É que as raízes são arrancadas!” Ante esse brado, Ferreira nem sequer levantou a cabeça. Olhando para baixo, respondeu como um fantoche, sempre sem emoção. “Este país é um charco. Com o tempo, descobrirás por ti mesmo. Este país é um charco mais terrível do que podes imaginar. Sempre que se planta uma muda de árvore neste charco, as raízes começam a morrer; as folhas crescem amarelas e depois murcham. E plantamos neste charco a muda do cristianismo.” “Houve tempo em que a muda de árvore vingava e dava boas folhas.” “E quando foi isso?” Pela primeira vez, Ferreira voltava a encarar Rodrigues, e em suas faces encovadas se via o sorriso esvanecido de quem se compadece do moço que não conhece nada do mundo. “Quando viestes para cá, construíam-se igrejas por toda a parte, a fé era viçosa como o perfume das flores que desabrocham pela manhã, e muitos japoneses rivalizavam entre si para receber o batismo, tal e qual os judeus que se congregavam no Jordão.” “E se o Deus em que esses japoneses acreditavam não fosse o Deus da doutrina cristã?...” Ferreira murmurou as palavras devagar, ainda com o sorriso de comiseração nos lábios. Rodrigues, sentindo uma ira ilimitada emergir do fundo do coração, cerrou inconscientemente os punhos. Sê sensato, pensou desesperadamente consigo mesmo. Não sejas enganado por tais sofismas. Quem foi derrotado usa de qualquer recurso para iludir a si próprio. “Estais negando o inegável”, disse Rodrigues.

    • @viniciuscury8372
      @viniciuscury8372 Месяц назад

      Trecho da conversa entre o padre e uma autoridade japonesa:
      “Eu vos disse - o Japão não se presta aos ensinamentos do cristianismo. O cristianismo simplesmente não consegue criar raízes neste país.” O padre se lembrou de que Ferreira dissera exatamente a mesma coisa em Saishoji. “Não fostes derrotado por mim, padre.” O grão-senhor de Chikugo, ao falar, olhava direto para as cinzas do braseiro. “Vós fostes derrotado por este charco que é o Japão.” “Não, não!...” O padre, inconscientemente, levantou a voz. “Minha luta foi com o cristianismo e se deu em meu coração.” “Foi mesmo?!” Um sorriso cínico passou pelo rosto de Inoue. “Contaram-me que dissestes a Ferreira que o Cristo da fumi-e vos mandara pisar - e que foi por isso que o fizestes. Por outro lado... Não teria sido essa alegação nada mais que autoengano? Um pretexto para vossa fraqueza? Eu, Inoue, não consigo acreditar que aquelas palavras fossem verdadeiramente cristãs.” “Não importa o que pensais”, disse o padre, baixando outra vez os olhos e pondo as mãos nos joelhos. “Podeis enganar a outras pessoas, mas não a mim”, respondeu Inoue, agora com voz gélida. “Já tive ocasião de perguntar a outros padres qual a diferença entre a misericórdia do Deus cristão e a misericórdia do Buda - pois, no Japão, a salvação se dá pela misericórdia do Buda, com quem as pessoas contam somente por irremediável fraqueza. E um padre me deu uma resposta clara: a salvação de que o cristianismo fala é diferente; isso porque a salvação cristã não é apenas questão de contar com Deus - o crente precisa também preservar ao máximo a própria firmeza de coração. Só que foi justamente nesse ponto que os ensinamentos cristãos acabaram aos poucos sendo distorcidos e alterados neste charco chamado Japão.” O cristianismo não é o que imaginais que ele seja!... O padre quis gritar isso, mas as palavras se entalaram em sua garganta quando percebeu que, não importando o que dissesse, ninguém ali jamais entenderia os sentimentos que tinha naquele momento - ninguém, nem Inoue, nem o intérprete. Com as mãos nos joelhos, os olhos piscando, ficou ouvindo em silêncio as palavras do magistrado. “Provavelmente não sabeis”, continuou Inoue, “mas ainda resta grande número de camponeses cristãos nas Goto e em Ikitsuki. Não temos, porém, nenhuma intenção de ir àquelas ilhas para prendê-los.” “E por que não?”, perguntou o intérprete. “Porque as raízes já foram cortadas. Se dos quatro cantos do mundo tornassem a vir homens como esse padre, aí sim teríamos de prender os cristãos outra vez”, disse o magistrado, rindo. “Mas já não temos medo de que tal coisa venha a acontecer. E, quando as raízes são cortadas, a muda e as folhas morrem. Prova disso é que o Deus que os camponeses das Goto e de Ikitsuki servem mudou gradualmente, tanto que não é mais de modo algum o Deus cristão.” O padre, levantando a cabeça, olhou para o rosto do magistrado e viu nos lábios e nas faces um sorriso forçado. Mas os olhos não sorriam. “O cristianismo que trouxestes para o Japão mudou de forma e se tornou coisa estranha”, disse o grão-senhor de Chikugo, dando um suspiro que vinha do fundo do peito. “Pois é, padre... O Japão é esse tipo de país; é algo que não se pode evitar...” O suspiro do magistrado era sincero, e a voz dele estava cheia de penosa resignação. Seguiu-se um gesto de despedida, e o padre se retirou com o intérprete.

    • @viniciuscury8372
      @viniciuscury8372 Месяц назад

      Trecho do final:
      “Escutai minha confissão, por favor. Se até mesmo o apóstata Paulo tem o poder de ouvir confissão, dai-me por favor a absolvição de meus pecados.” Quem julga não são os homens. Deus conhece nossas fraquezas melhor do que ninguém, refletiu o padre. “Padre, eu vos traí. Eu pisei na imagem de Cristo.” Kichijiro estava em lágrimas. “Neste mundo, há os fortes e há os fracos. Os fortes nunca cedem à tortura, e eles vão para o Paraíso. Mas e quanto àqueles como eu, que nascem fracos? Àqueles que, quando os torturam e os mandam pisar na imagem sagrada...” Também eu pisei na imagem sagrada. Por um momento, este pé esteve no rosto Dele. Esteve no rosto do homem que sempre tem estado em meus pensamentos... No rosto que estava diante de mim nas montanhas, nas andanças, na prisão... No melhor e mais belo rosto que o homem jamais poderá conhecer... No rosto Daquele que sempre amei com fervor... Mesmo agora, na tabuinha gasta por tantos pés, esse rosto ainda me encara com olhos cheios de piedade... “Pisa!”, diziam aqueles olhos compassivos. “Pisa! Teu pé sofre com a dor. Ele precisa sofrer como todos os pés que já pisaram nesta fumi-e. Mas essa dor já basta. Eu entendo a tua dor e o teu sofrimento. É por esse motivo que cá estou.” “Senhor, eu me ressentia com Vosso silêncio.” “Eu não estava em silêncio. Eu sofria ao teu lado.” “Mas mandastes Judas ir-se embora: ‘O que pretendes fazer, faze-o depressa’. O que aconteceu com Judas?” “Não foi esse o sentido do que eu disse. Assim como te mandei pisar na fumi-e, assim também mandei Judas fazer o que ele ia fazer. Pois Judas estava tão angustiado quanto estás agora.” O padre deitara o pé na fumi-e, grudenta de sujeira e sangue. Os cinco artelhos pressionaram contra o rosto de alguém que ele amava. Ainda assim, não conseguia entender o enorme júbilo que se apossou dele naquele momento. “Não há nem fortes nem fracos. Pode alguém afirmar que os fracos não sofrem mais que os fortes?” O padre falava depressa, voltado para a entrada. “Já que nesta terra não há mais ninguém para ouvir-te a confissão, eu o farei... Faze tuas preces após a confissão... Vai-te em paz!” Kichijiro chorou de mansinho; depois, foi embora da casa. O padre administrara um sacramento que só um padre poderia administrar. Sem dúvida, seus antigos colegas condenariam o ato como sacrilégio; mas, mesmo que os estivesse traindo, não estava traindo seu Senhor. Ele O amava de maneira diferente de como O amava antes. Tudo o que acontecera até aquele momento se mostrara necessário para conduzi-lo a esse amor. Ainda agora, sou o último padre nesta terra. Mas Nosso Senhor não estava calado. E, mesmo se Ele houvesse estado calado, minha vida até este dia teria dado testemunho Dele.